A Arquitetura da realidade: espaço e criação, linguagem e gênesis


Autora: Ormezinda Maria Ribeiro ormezinda.ribeiro@uniube.br

“O espaço não está em lugar algum. O espaço está em si mesmo como o mel no favo.”
José Bousquet
Todo o campo do saber humano seja ciência ou ficção é perpassado por uma linguagem. E é a linguagem que constrói a realidade, embora a julguemos sua geradora. Numa perspectiva fenomenológica não é impróprio repetir Merleau-Ponty (1984): “O olho que vê o mundo é o mundo que o olho vê”. É inconcebível, portanto, um mundo desprovido de linguagem. Há mundo, porque há linguagem. Ecoamos aqui a figurativização bíblica no Livro de Gênesis, quando, pela palavra, Deus criou o Céu e a Terra e tudo o que neles se contém. E nessa evocação simbólica não é demais lembrar que a Terra, sem forma e vazia, foi “construída” por uma evocação sonora e tudo o que nela se fez formou-se a partir da palavra. Ora, a palavra é um símbolo, e como símbolo representa, então podemos inferir que a expressão do símbolo criou uma realidade. E assim tem sido desde Gênesis.


Essa afirmativa pode soar inconsistente e entendida como uma crença a um discurso religioso sem amparo científico, por isso tentaremos legitimar essa tese apoiando-nos na história do pensamento lingüístico, remontando às reflexões socráticas acerca da relação entre nome e coisas, que certamente nos remeterá à noção de uma realidade “fabricada”, também implícita na concepção platônica de linguagem.
Em Platão (2002) lemos que a língua constitui um recorte da realidade, que é, na compreensão desse filósofo, fabricada por nossa percepção. Avançando na história dos estudos lingüísticos, reportamo-nos ao mestre Saussure (1974, p. 15), quando nos assegura que não é o objeto que precede o ponto de vista, contudo, é o ponto de vista o criador do objeto.
Schaff (1974, p. 146) reitera essa concepção, quando afirma que o modo de percepção humano está indissociavelmente ligado à maneira de falar e historicamente ligado a uma práxis social, construída nas relações em comunidade. Schaff (1974, p. 223) fala também dos “óculos sociais”, os modelos ou padrões perceptivos, com os quais os indivíduos enxergam o mundo. São os nossos estereótipos. Por eles vislumbramos uma “realidade” que nos parece ser real. Fabricamos, portanto, uma realidade e acreditamos vê-la com os nossos olhos, ou com os olhos sociais. E assim seguimos o itinerário iniciado em Gênesis e “quanto mais avançamos no processo de socialização, mais os códigos verbais se apropriam de nosso sistema perceptual”, afirma Blikstein (2000, p.66-7). Rumo ao apocalipse, seguimos fabricando novos signos e novas realidades. Somos o que diz Foucault (1995) o resultado dos discursos que nos constroem.

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